Os 80 anos do Dia da Vitória, que marca o final da Segunda Guerra Mundial na Europa, serão comemorados no mundo inteiro nesta quinta (8). A data marca a rendição incondicional da Alemanha nazista, em Berlim, em 1945.
Uma sala de uma antiga escola da cidade francesa de Reims, porém, conta uma história um pouco diferente: foi nela que, um dia antes, a capitulação alemã foi assinada pela primeira vez.
Congelada no tempo, a antiga sala dos mapas do quartel-general dos Aliados está lá até hoje, tal e qual, às 2h41 da madrugada de 7 de maio de 1945, quando representantes da Alemanha nazista assinaram o documento de rendição.
Um vidro espesso separa os visitantes da mesa comprida de madeira em torno da qual se sentaram os generais Walter Bedell Smith, americano, Gustav Jodl, alemão, e Ivan Susloparov, soviético, entre outros chefes militares. Nas paredes, grandes mapas mostram os deslocamentos das tropas no front, as condições meteorológicas e a localização dos suprimentos.
Se esse momento, porém, foi esquecido pela história, isso se deve aos soviéticos. Eles fizeram questão de que um novo documento fosse assinado no dia seguinte, em Berlim já então ocupada pelo Exército Vermelho. As versões para o aparente capricho apontam diversos motivos: o peso simbólico maior de uma assinatura em Berlim; lacunas no documento de Reims; falta de autoridade de Susloparov para assinar em nome de Moscou.
Seja qual for o argumento que prevaleceu, o general americano Dwight Eisenhower, comandante supremo aliado, aceitou a exigência de Josef Stalin, o líder soviético. O texto de Berlim é quase idêntico ao de Reims, exceto por dois detalhes: o artigo 2º acrescenta uma referência ao “desarmamento total” da Alemanha, e o artigo 6º determina que as versões em inglês e russo prevalecem sobre o texto em alemão.
Tendo anunciado a rendição de 7 de maio, os jornais da época, do Brasil e do resto do mundo, tiveram que fazer contorcionismos para explicar a nova rendição de 8 de maio. Ela foi tratada como a “ratificação da capitulação” nazista. Com o tempo, prevaleceu a narrativa da rendição assinada em Berlim, e o evento de Reims mergulhou no limbo da história.
Isso não diminui o orgulho de Reims, considerada a capital do champanhe, onde uma grande festa popular vai comemorar os 80 anos da “rendição que não valeu” na quarta (7) e na quinta (8). “Franceses e europeus têm que estar com os olhos voltados para Reims”, disse o prefeito da cidade, Arnaud Robinet.
Por 5,50 euros (R$ 35), o visitante percorre as salas do antigo QG, a apenas dez minutos a pé da estação ferroviária. O museu ocupa parte de um amplo prédio de tijolos vermelhos, antigo Collège Moderne et Technique, atualmente um liceu batizado com o nome de Franklin Roosevelt, presidente americano na maior parte da Segunda Guerra, que morreu devido a um AVC menos de um mês antes do Dia da Vitória.
Reims, 150 km a leste de Paris, foi escolhida por Eisenhower como base porque permitia acompanhar de perto o avanço das tropas americanas e britânicas rumo a Berlim, mas a uma distância segura de uma eventual contraofensiva alemã.
Grande parte do museu é composta por vitrines onde manequins um tanto canhestros portam uniformes de época. Além da sala de enorme valor histórico, os itens mais importantes do acervo são os objetos originais da guerra, como parte da fuselagem de um caça francês abatido pelos alemães, ainda com as marcas dos tiros; ou placas de rua em alemão, instaladas pelos nazistas durante a ocupação da França.
A sala da rendição foi tombada em 1985 pelo patrimônio histórico francês. Curiosamente, porém, nem na França a vitória é comemorada em 7 de maio. Reza a lenda que o motivo seria o recalque do general Charles de Gaulle, líder da resistência francesa.
Por não ter sido chamado para o acontecimento, De Gaulle nunca visitou a sala onde foi assinada a rendição, contribuindo para apagar dos livros escolares esse episódio.
Mesmo encerrada na Europa, a Segunda Guerra Mundial ainda continuaria até 2 de setembro de 1945, quando o Japão assinou a rendição.