O decreto com as regras da lei de reciprocidade, que autoriza o Brasil a retaliar países ou blocos que impuserem barreiras comerciais ao país, ainda não saiu do papel mais de um mês após aprovação acelerada da medida no Congresso Nacional.
O texto já vinha sendo discutido por membros do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e do Itamaraty antes da sanção da lei pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 11 de abril, mas ainda há indefinição quanto aos prazos máximos para deliberação das autoridades sobre as eventuais contramedidas.
A lei autoriza, em casos excepcionais, o governo a adotar medidas de retaliação de forma provisória ao longo das etapas do processo. O projeto foi aprovado após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar um tarifaço que atinge também produtos brasileiros.
A Camex (Câmara de Comércio Exterior) será o órgão responsável pela decisão sobre a aplicação do instrumento. O relatório apresentado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS) citava o papel a ser desempenhado pelo Conselho Estratégico da Camex, mas a redação final do texto acabou alterada. Assim, a designação constará na regulamentação.
O decreto vai determinar, entre outros temas, os prazos para realização de consultas públicas para manifestação das partes interessadas e para análise de pleitos específicos.
As autoridades tentam equacionar prazos que não sejam tão curtos a ponto de serem insuficientes para uma análise mais aprofundada e também não sejam tão elásticos de forma que a função de dar uma resposta célere ao problema não seja cumprida.
Esse cálculo fica mais complicado quando se leva em consideração que o instrumento deve servir tanto em situações em que apenas um setor é afetado como em casos mais abrangentes, como a guerra comercial aberta pelos Estados Unidos.
O tarifaço imposto por Trump serviu de impulso político no Brasil para a tramitação acelerada da lei de reciprocidade. O projeto de lei foi aprovado na Câmara em 2 de abril, horas depois de o republicano ter anunciado uma alíquota linear de 10% sobre produtos comprados de outros países, inclusive do Brasil.
Antes disso, o país já tinha sido afetado pela cobrança imposta pelos americanos de tarifas de 25% sobre importações de aço e alumínio.
O aval da Câmara veio apenas um dia depois da aprovação do texto no Senado, com um alinhamento raro de governistas e da bancada ruralista, em votação unânime. Uma semana depois, a lei foi sancionada sem vetos por Lula.
Inicialmente, o projeto foi pensado em reação à lei antidesmatamento da União Europeia e buscava atacar aspectos ambientais. Ao longo das discussões, ganhou força a avaliação de que nem toda arbitrariedade virá apenas sob a roupagem de preocupação ambiental. Então, o texto substitutivo do Senado passou a prever medidas para reequilibrar o jogo comercial.
Até então, o Brasil carecia de um arcabouço legal para responder a barreiras comerciais impostas por outros países ou blocos econômicos. Apesar de o país ter se armado para uma eventual retaliação contra as tarifas anunciadas por Trump, a ideia do governo brasileiro é insistir nas negociações com os Estados Unidos.
O Brasil vem atuando em duas frentes. De um lado, sinaliza que tem meios para retaliação e está disposto a adotar contramedidas se necessário. De outro, busca mapear o real impacto e possíveis oportunidades com o tarifaço e insiste nos contatos bilaterais.
O Brasil não exclui a possibilidade de recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio), mas segue apostando no fluxo de tratativas em curso. Segundo um membro do governo brasileiro, o país agora espera dos americanos uma sinalização sobre quais pontos eles estão efetivamente dispostos a negociar. O contato entre os países tem sido mantido em nível ministerial, com a liderança do vice-presidente Geraldo Alckmin, e em nível técnico.