Inspirado na pele dos tubarões, o Aeroshark é um filme adesivo transparente com microestruturas em forma de sulcos, conhecidas como riblets. Essas estruturas são quase invisíveis a olho nu, mas provocam uma mudança significativa no comportamento aerodinâmico da aeronave.
A ideia nasceu da biomimética, campo que estuda soluções da natureza para aplicar em engenharia e design. O projeto foi liderado pela Lufthansa Technik e pela Basf, duas gigantes alemãs que uniram seus conhecimentos em aviação e química para tornar os aviões mais eficientes.
A tecnologia já está sendo adotada em voos comerciais, após mais de 1.500 horas de testes e certificações com agências reguladoras. O primeiro modelo a receber a inovação foi o Boeing 777F da Lufthansa Cargo, ainda em 2022.
Como funciona?
A superfície de um tubarão tem pequenas ranhuras que reduzem o atrito com a água, permitindo que ele se mova com mais eficiência. O mesmo conceito foi traduzido para o Aeroshark, aplicado sobre superfícies críticas da aeronave, como fuselagem e naceles dos motores.
Os riblets desviam o fluxo de ar de forma mais organizada e menos turbulenta, o que diminui o arrasto aerodinâmico. Com menos resistência, o avião precisa de menos força e, portanto, de menos combustível para se manter em voo.
A película é aplicada como um adesivo de alta durabilidade, resistente às condições extremas da aviação. Mesmo com manutenção de rotina, sua vida útil pode ultrapassar cinco anos, sem perda de eficiência.
Menos combustível queimado

A economia gerada pode chegar a 1% de combustível por aeronave, o que, em operações constantes, representa milhares de toneladas de querosene e emissões de CO2 evitadas ao longo dos anos. É um número pequeno na teoria, mas gigante na prática para empresas aéreas que buscam reduzir custos e emissões.
O Aeroshark é especialmente eficiente em aviões de longo curso, como os Boeing 777. Eles permanecem mais tempo em voo, e, portanto, o impacto da redução de arrasto é mais relevante. A Lufthansa estima que a economia de combustível em sua frota de cargueiros 777F pode ultrapassar 4.000 toneladas por ano.
A Latam é a primeira companhia da América Latina a aplicar a tecnologia. Antes, as europeias Lufthansa Swiss já vinham usando o Aeroshark.
O custo da aplicação depende do modelo da aeronave e da área coberta, mas é considerado baixo em relação à economia gerada, e as empresas que aplicaram dizem que a economia supera os custos em todos os casos.
Como é feita a aplicação?

O UOL visitou o Centro de Manutenção da Latam no aeroporto de Guarulhos para acompanhar a aplicação do Aeroshark durante a madrugada em um dos Boeings 777 da empresa. O procedimento é feito durante períodos programados de manutenção, justamente para otimizar o tempo em que o avião ficará parado no solo e evitar impacto na operação da companhia.
A aplicação começa com o planejamento logístico e a preparação da aeronave no hangar. Em seguida, a fuselagem e as naceles dos motores passam por uma limpeza rigorosa, etapa essencial para garantir a aderência do filme adesivo que reproduz a pele de tubarão.
Com a superfície limpa, técnicos aplicam fitas adesivas que servirão de guia para a colagem dos painéis do Aeroshark. Eles chegam em painéis com cerca de um metro de largura e são cortados de acordo com o esquema de onde serão colados.

Após a colagem, os excessos são cortados, deixando uma distância entre até meio centímetro entre cada painel. Cada cor de fita adesiva indica uma finalidade: há as que servem para orientar a direção em que o painel deve ficar, outras são usadas para cortar o adesivo (como em processos de envelopagem de carros), entre outras.
Na sequência, é retirada a camada exterior do adesivo, como na aplicação de uma película de celular, e é aplicado um verniz apenas nos espaços entre os painéis. Desse modo, a tecnologia do Aeroshark fica exposta, garantindo a sua finalidade.
Todo o processo dura cerca de 24 dias, desde a limpeza inicial até a inspeção final da aeronave. Depois da aplicação, o avião também passa a seguir um protocolo especial de limpeza externa para preservar a durabilidade do material.

O peso adicional gerado pelo revestimento é de aproximadamente 150 quilos, o que representa uma carga mínima para um Boeing 777.
A economia para a Latam
A Latam optou por aplicar o Aeroshark exclusivamente nos aviões Boeing 777-300ER, os maiores de sua frota. Por serem usados em voos internacionais longos, esses modelos são os que mais se beneficiam com a redução de arrasto e consumo de combustível.
Segundo a companhia, a aplicação da tecnologia permite uma economia de aproximadamente 1% no consumo de combustível. Isso representa uma redução de cerca de 2.000 toneladas de querosene por ano, considerando toda a frota de 777.

A diminuição nas emissões de dióxido de carbono (CO2) é estimada em cerca de 6.000 toneladas anuais. Esse valor equivale ao total emitido em aproximadamente 28 voos entre São Paulo e Miami feitos por um Boeing 777.
Cinco aeronaves da Latam já operam com o Aeroshark, e a meta é aplicar a tecnologia em todos os Boeings 777 da companhia. O custo exato do projeto não foi divulgado, mas ele integra a estratégia de modernização da frota e o compromisso da empresa com a meta de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050.

Reportagem
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