Manter recursos no exterior —seja em contas bancárias, offshores ou aplicações financeiras— sempre foi uma estratégia relativamente benéfica financeiramente e segura para investidores do ponto de vista tributário. Porém, a fiscalização se tornou mais rígida com a Instrução Normativa (IN) nº 2.180/2024 da Receita Federal, que regulamentou a Lei nº 14.754/2023.
A partir deste ano, os contribuintes são obrigados a declarar esses ativos, sujeitos ao recolhimento do imposto de 15%, na declaração de Imposto de Renda, substituindo a apuração anteriormente vigente, quando os rendimentos dessa espécie eram tributados mensalmente em alíquotas que variavam entre 0 e 27,5%.
O novo método traz consigo uma espécie de “transparência forçada”: a declaração pré-preenchida agora inclui automaticamente dados de contas e investimentos internacionais, antecipando informações que o contribuinte deveria repassar graças à disponibilização de dados de outros países por meio de acordos de cooperação internacional como o CRS (Common Reporting Standard) e o FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act).
Trata-se de um movimento que aproxima o Brasil dos padrões internacionais de transparência fiscal, mas exige uma mudança de mentalidade dos investidores. Como qualquer norma de natureza tributária, a nova instrução é imperativa por todos os contribuintes cuja situação patrimonial nela se enquadre. Caso os ativos no exterior não sejam declarados –e as autoridades entendam que houve dolo, ou seja, intenção livre e consciente de se beneficiar com isso– a prática pode configurar crime contra a ordem tributária, comumente chamada de sonegação fiscal, prevista no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 na modalidade de “omissão de informação”.
O que se constata com a instrução é um crescente incremento na governança fiscal do Estado. Se antes o crime de sonegação fiscal exigia que o Fisco descobrisse indícios de omissão fraudulenta em um processo de fiscalização tradicional, agora eles já podem ser identificados na análise das informações previamente captadas pelo próprio sistema da Receita.
FolhaJus
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Ao mesmo tempo, também se fortaleceu a fiscalização sobre crimes de evasão de divisas, que é o ato de remeter para fora do país valores e recursos financeiros sem a devida comunicação aos órgãos de controle (como a própria Receita ou o Banco Central). Vale ressaltar que a existência de ativos financeiros não declarados no exterior, por si só, não configura automaticamente esse tipo de crime. A pergunta crucial em casos como esse sempre será: “como tais recursos foram remetidos para o exterior?”.
Embora sonegação fiscal e evasão de divisas sejam crimes distintos e protejam bens jurídicos igualmente diversos –respectivamente a Administração Fiscal e o Sistema Financeiro Nacional– a linha divisória entre uma mera irregularidade e a configuração de uma conduta criminal será, essencialmente, a intencionalidade (o dolo) do agente. Ou seja, para que se configure crime é necessário que o ato seja praticado de forma livre e consciente, com a intenção clara e deliberada de praticar a conduta proibida. A distinção depende, em grande parte, da forma como os recursos foram movimentados.
Fato é que o ideal é fazer de tudo para evitar que qualquer checagem do tipo sequer seja cogitada, afinal, o dolo pode ser inferido pelas autoridades a partir de inconsistências entre os dados disponíveis e a declaração apresentada. Cabe ao contribuinte ter máxima atenção com as obrigações tributárias e investir em um planejamento fiscal de qualidade. O compliance fiscal (e penal) e a governança correta dos ativos no exterior deixou de ser meramente uma escolha estratégica e passou a ser questão de sobrevivência.
O caminho mais seguro, hoje, é a regularização proativa. Revisar declarações anteriores, atualizar pendências e garantir que todos os rendimentos estejam declarados pode evitar autuações administrativas e até dores de cabeça maiores, como os processos penais. A melhor defesa é a transparência e a prevenção.
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