De repente, as fachadas envidraçadas dão lugar a paredes de madeira e o cinza do concreto armado é substituído pelo verde da vegetação luxuriante. É como se estivéssemos no meio de uma floresta tropical, e não em um bairro da maior cidade da América Latina.
A valorização do meio ambiente é justamente o fio condutor da 38ª edição da Casacor, a principal mostra de arquitetura e design do país. Para este ano, a equipe curatorial decidiu promover um encontro entre a natureza e o espaço urbano, a começar pela localização do evento.
Se no ano passado ele aconteceu no Conjunto Nacional, na avenida Paulista, desta vez o cenário escolhido foi o parque da Água Branca, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo.
“Esse tema é fruto de uma visão utópica de estar mais rodeado pelo verde, com bem-estar, associado a pequenos prazeres”, afirma André Secchin, o diretor-geral da Casacor. “É como um convite para a gente ter um mundo mais sustentável do ponto de vista arquitetônico, uma sociedade que preze pelo uso de materiais renováveis.”
O próprio evento segue parâmetros de sustentabilidade ao vetar, por exemplo, construções de alvenaria —material altamente poluente. “Temos essa ideia de usar a natureza como inspiração e enxergá-la também como uma arquiteta.”
Essa proposta está materializada em um trabalho de Marko Brajovic instalado na entrada da exposição. É um lounge circular feito com ripas de madeira dentro do qual há poltronas verdes em que o público pode se sentar. Para criar essa estrutura, o arquiteto usou como referência o ninho de pardais, sabiás e bem-te-vis.
Com isso, ele pôs em prática a chamada biomimética, conceito que usa a natureza como inspiração para construir estruturas inovadoras. No entanto, o flerte com o meio ambiente não para por aí.
Boa parte dos mais de 70 ambientes que compõem esta Casacor dialogam em maior ou menor grau com o tema proposto pelos curadores.
É o caso da sala de estar de 89 metros quadrados projetada por Gleuse Ferreira, profissional sergipana que usou como referência o sertão. Isso se faz notar na paleta de cores do ambiente, composto por elementos de tons terrosos. É o caso, por exemplo, das duas poltronas assinadas pela designer Roberta Banqueri.
Além de livros, as estantes guardam esculturas de barro feitas por artistas populares que retratam cangaceiros, uma referência a Lampião, bisavó da arquiteta.
“Quis trazer para cá as minhas raízes e elementos afetivos”, diz Ferreira, acrescentando que seu objetivo também foi desmistificar a ideia de que o sertão é um lugar estéril. Por isso, incluiu no ambiente plantas e quadros de cores exuberantes. “Quando chove tudo fica verde. É uma terra tão fértil que basta cair um suspiro de água para as plantas brotarem.”
Enquanto ela buscou referência no sertão, João Panaggio se voltou para o modernismo. A contenção estética preconizada por esse movimento permeia o ambiente de 170 metros quadrados, onde prevalecem cores neutras e móveis discretos.
Poderia ser um espaço marcado pela frieza não fossem os painéis de madeira que revestem as paredes e as claraboias que permitem a entrada da luz do sol. É como se o projeto fosse um encontro do minimalismo da Bauhaus com o calor dos trópicos.
Esse modernismo tropical, quase fumegante, está mais evidente nos fundos do projeto, onde há uma banheira cercada por plantas e por um espesso vapor. Intitulada “Névoa”, a obra foi projetada por Laura Vinci, uma das cinco artistas visuais que assinam trabalhos no ambiente.
“A arte é um elemento importantíssimo. Não adianta fazer um espaço como esse se não houver conexão com elementos artísticos”, diz Panaggio, o profissional por trás do projeto. “O arquiteto modernista nunca está sozinho. Ele está sempre acompanhado por designers, artistas plásticos e paisagistas.”
O paisagismo, aliás, é um elemento basilar nesta Casacor, afinal estamos falando de uma edição em que quase tudo gira em torno da natureza. Por isso, foram convocados nove paisagistas para criar os jardins que integram o percurso expositivo.
“Diante desse caos climático que a gente vive, se não olharmos para a natureza e retirarmos dela ensinamentos, vamos ter poucas chances enquanto espécie”, diz Livia Pedreira, presidente da curadoria da Casacor.
Para ela, muitos ambientes deste ano conseguiram traduzir por meio do design e da arquitetura a centralidade da questão ambiental.
“Há um desejo de promover uma aproximação entre o parque e os projetos usando grandes janelas que deixam o verde entrar”, diz Pedreira, para quem a natureza é um elemento importante na construção de um lar.
“Precisamos de uma casa para ser usada, e não simplesmente para ser vista. O ambiente em que a gente mora deve ser acolhedor e confortável. Talvez essa seja a primeira Casacor depois da pandemia em que isso está mais evidente nos projetos.”