Mercado prevê nova alta da taxa de juros em junho. As estimativas que mostram a taxa Selic em 15% ao ano após a próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) foram apresentadas na última edição do Relatório Focus. Ao mesmo tempo, o documento também sinaliza o início do ciclo de cortes ainda neste ano.
É desnecessário subir [os juros] em junho para cortar de novo em dezembro.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter
Inflação continua alta
Inflação continua alta mesmo com a Selic em dois dígitos. A taxa básica de juros permanece acima de 10% ao ano desde fevereiro de 2022. Em junho daquele ano, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 10,07%. Um ano depois, porém, a inflação chegou a 3,16% em junho de 2023, o que originou o corte de 3,25 pontos percentuais da Selic no ano seguinte, de 13,75% para 10,5% ao ano. Os preços voltaram a subir e levaram ao atual ciclo de aperto monetário.
Variação dos preços permanece no radar do Copom. No comunicado da decisão que levou a Selic ao maior patamar desde 2006, os diretores do BC destacam que os riscos para a inflação “estão mais elevados do que o usual”. Entre os riscos, está uma inflação ainda alta no longo prazo, marcada pela maior resiliência da inflação de serviços e pelas políticas econômicas externas e internas com efeito inflacionário.
BC cumpriu sua parte com política monetária restritiva. A avaliação dos especialistas ouvidos pelo UOL considera que os juros elevados já resultaram em restrições ao crédito e no aumento da inadimplência.
Ainda assim, o mercado de trabalho segue resistente, com a taxa de desemprego nos menores níveis da história. O cenário ainda é encarado pelo BC como desafiador por estimular o consumo. “É um dado que demora mais para sentir o efeito dos juros”, explica Rafaela Vitória.
O conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho ainda tem apresentado dinamismo, mas observa-se uma incipiente moderação no crescimento.
Comunicado do Copom
Inflação dos alimentos persiste

Alimentos estão entre os vilões da inflação. O grupo de alimentícios e bebidas teve alta em todos os últimos sete meses, puxando o resultado do índice em alguns deles. Desde então, a alta acumulada dos produtos alimentícios soma 7,34%, variação 3,2 pontos porcentuais superior à evolução do IPCA no mesmo período (4%). O aumento mais expressivo fica por conta do café moído, com alta acima de 40%.
Preço da comida não é afetado pelo sobe e desce dos juros. O efeito moderado do aumento da taxa Selic considera o impacto de eventos climáticos sobre a oferta dos alimentos. “A capacidade da política monetária de disciplinar os preços de alimentos é limitada”, explica Homero Guizzo, economista-chefe da Terra Investimentos, instituição que lidera as projeções para o IPCA no Relatório Focus entre fevereiro de 2023 e março deste ano.
Os preços dos alimentos são, em grande medida, determinados por condições de oferta. O repasse destes choques ao consumidor é sensível à política monetária. Os choques em si, não.
Homero Guizzo, economista-chefe da Terra Investimentos
Mas próximos meses devem trazer alívio ao bolso das famílias. A interrupção das altas expressivas de preço dos alimentos é prevista em meio ao ambiente de redução do preço do diesel e a desvalorização de 8% do dólar em relação ao real neste ano. “A safra boa ajuda, principalmente, na parte de cereais. Mas o mais importante é a redução da taxa de câmbio, que influencia o preço do frete”, diz Rafaela Vitória.
Ameaça de inflação ainda ronda o preço das carnes. Apesar do alívio para as plantações sem os fenômenos El Niño e La Niña neste ano, Guizzo afirma que as idas ao açougue serão mais custosas a partir da expectativa de virada do ciclo pecuário. “O preço do bezerro está subindo e estimulando a retenção de vacas, reduzindo a oferta de animais para abate. Isso elevará o preço da carne”, diz ele.
Gastos públicos preocupam

Política fiscal é observada como o grande entrave atual. O cenário adverso coloca o Brasil com o juro real (taxa Selic ajustada pela inflação) acima de 8,5%. Sem o efeito expressivo da taxa sobre os preços, há o reconhecimento de que o descontrole das contas públicas dificulta a queda da inflação.
Decisões monetárias e fiscais deveriam caminhar juntas. As duas ferramentas são determinantes para combater a inflação, mas o cenário indica o isolamento do Copom para conter os preços. Sem observar uma pressão sobre os custos, Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC, atribui a persistência do IPCA acima de 5% a uma política fiscal “completamente desorganizada”.
Se a política monetária tem a política fiscal contra ela, não consegue fazer nada. Teria que colocar as taxas [de juros] muito mais altas para evitar um desarranjo fiscal.
Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC
Banco Central cita questão fiscal como fator de risco. Os diretores da autoridade monetária destacam a preocupação como um dos fatores determinantes para o futuro da taxa Selic. “O Comitê segue acompanhando com atenção como os desenvolvimentos da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros”, destaca o comunicado do Copom.
Gastos públicos permanecem em alta. Apesar de reconhecer um cenário melhor do que o observado nos últimos dois anos, Rafaela Vitória avalia que os problemas fiscais ainda persistem. “Temos uma projeção de crescimento de gastos perto de 2,5% para este ano. Está menor, mas ainda é um avanço que atrapalha o controle fiscal, principalmente com alguns gastos fora do Orçamento”, afirma ela.
Não julgamos que a política monetária deixou de ser efetiva. O que pode dar essa impressão é que a política monetária está remando contra um grande volume de estímulos à atividade, advindos da política fiscal, como o consignado privado.
Homero Guizzo, economista-chefe da Terra Investimentos