O problema não está apenas na desigualdade de renda, mas também na de influência. A elite econômica não concentra só patrimônio, mas também determina prioridades políticas e financia as campanhas que desenham o Estado. Um Estado que supostamente deveria garantir equidade, mas que frequentemente se dobra aos interesses de quem pode pagar mais por sua atenção.
É assim que os vencedores do passado legam aos seus descendentes não apenas riqueza, mas também os meios para seguir vencendo, com o poder da influência, redes de proteção mútuas e um Estado moldado para manter quase tudo como está. Essa engrenagem se mostra com nitidez quando olhamos como a desigualdade do presente foi moldada pelo passado, em um arranjo que se apoia, por exemplo, em uma ampla base de trabalho pouco valorizado, que sustenta, com esforço diário, o conforto daqueles que possuem maior renda.
A ampla oferta de mão de obra pouco qualificada e mal remunerada garante à elite acesso a serviços baratos. Domésticas disponíveis sete dias por semana, entregadores pedalando sem proteção social, motoqueiros se acidentando pelas ruas da cidade, babás que gastam mais tempo com os filhos dos outros do que com os próprios filhos e cuidadoras que dedicam a vida ao cuidado dos idosos, enquanto seguem sem saber se, um dia, alguém cuidará delas com a mesma devoção.
Tudo isso reduz o custo de vida dos mais ricos. Em países desenvolvidos, um estilo de vida confortável como esse costuma exigir arcar com um custo maior pelo tempo do trabalho dos outros. Neles, o Estado tem um papel redistributivo importante e há uma sociedade que, ainda que com falhas, costuma reconhecer o valor de quem serve. No Brasil, a desigualdade subsidia o privilégio e as elites dificilmente pagam um valor justo por aquilo que consomem.
Mas, veja… Não foi por acaso que temos uma grande massa de trabalhadores pouco qualificados. Ao contrário de outras nações que enxergaram na educação um caminho para formar cidadãos e fortalecer instituições, o Brasil preferiu manter a escola longe dos mais desfavorecidos.
Desde o Império até o século 21, a história educacional do país é menos uma marcha rumo ao progresso e mais uma crônica da contenção. A contenção de uma elite que jamais considerou prioridade formar o povo.
Folha Mercado
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Até durante a ditadura militar, o discurso da integração pelo desenvolvimento não passou de retórica. O ensino foi massificado, mas também esvaziado. Gerou uma educação voltada para bater continência à hierarquia social. Professores desvalorizados, escolas sem infraestrutura adequada e currículos que reforçam um modelo de sociedade baseado na obediência à desigualdade ainda dão a tônica de nosso sistema educacional.
Hoje, mesmo com avanços pontuais, o Brasil ainda é prisioneiro desse passado que faz com que a elite viva de um país que trabalha para ela. Sua riqueza não é um acidente. Em muitos casos, pouco tem a ver com o esforço. Ela é o resultado de uma estrutura social construída para sugar energia de baixo e concentrar dividendos no topo.
O texto representa uma continuação da série sobre elites e uma homenagem à música “Yèkèrmo Sèw”, de Mulatu Astatke, o pai do Ethio-jazz.
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